Programa 2007


Mapa das ruas


Ruas floridas


Sob o sólido azul do céu, por entre as interditas frestas do postigo de madeira e arrebatado por uma curiosidade incontrolável, o menino sonha, embalado pela magia de inúmeras figuras sedosas e coloridas que vê ganharem forma, mesmo diante de si. São as sagazes mãos de familiares e vizinhos que esculpem um cavalo com a mesma destreza com que semeiam na rua um campo de tulipas.
Precisamente a mesma arte com que engalanam as alvas ruas da vila com pendões de matizes garridas, numa dança cadenciada pela abafada brisa de Agosto.
O corrupio de gente atarefada a entrar e a sair do casão em constante frenesim já dura há meses e as noites mal dormidas são ligeiramente apaziguadas por uma breve mas reconfortante sesta. Lá na rua é assim, e por estes dias o olfacto das pessoas não sente mais que o intenso odor das colas, os olhos não enxergam mais do que resmas e rolos de papel, e tudo quanto é dado ouvir é o experimentado e monocórdico corte das tesouras.
Por estes dias, os oleiros trocam as espátulas e as rodas barrentas pelo papel sedoso e as pesadas enxadas da lavoura dão lugar a minúsculas tesouras delicadamente trinadas por mãos descomunais.
A azáfama destes últimos dias tem sido extenuante, no entanto o desejo de tudo estar graciosamente composto para as festas, domina os sentimentos das pessoas e só isso parece justificar todo o empenho, quiçá oriundo de uma qualquer fonte inesgotável de energia. Talvez, quem sabe.
Entretanto já se adivinha a música, o colorido inebriante, o cheiro familiar das febras e das sardinhas, as crianças na recolha de caricas e o vinho em copos de barro que casa a estridente alegria das pessoas. O mais tardar amanhã, começarão as montagens das ruas, descobrir-se-ão os temas das ruas vizinhas, confirmar-se-ão suspeitas.
Haverá, por certo, algum tempo para os retoques de última hora, antes dos forasteiros saborearem com agrado aquele mundo imaginado por mulheres e homens e afinal, recriado no coração do menino que um dia se tornará homem.


Origens e história


Tal como hoje, há 167 anos também seria assim, nos tempos em que os antepassados dessa criança uniam esforços para dignificar as festas, consagradas à N. Sra. de Ao Pé da Cruz. Com efeito, os registos escritos mais antigos que dão conta da ornamentação das festas organizadas pelos populares redondenses, remontam a 1838. Há todavia, na tradição oral, relatos passados de geração em geração, que sustentam a feitura de alguns enfeites de papel por moradores, como complemento ornamental às festas.




Durante décadas, os adornos de papel terão acompanhado as festividades, resultando mais da espontaneidade do que de uma norma instituída socialmente.







Por conseguinte, essas práticas evoluíram para a afirmação enquanto elementos culturais, cuja presença nas festas é incontornável, já desde esses tempos. Assim, esse hábito foi criando raízes, pese embora a infelicidade de ter sido relegado na década de 40 do século passado, na sequência da introdução definitiva da luz eléctrica e da deslumbrante iluminação das ruas, com a qual era difícil competir. Hão-de passar décadas, em que os refulgentes efeitos são o centro das atenções, só superados pela pirotecnia.





É no rescaldo da Revolução dos Cravos, em 1976, que se faz a primeira tentativa de recuperação da tradição do papel, cuja iniciativa partiu de um conjunto de jovens denominado Grupo Pró-Amigos de Redondo. Dá-se por esta altura a autonomização das festas em relação à liturgia da N. Sra. de Ao Pé da Cruz e as festas passam a ser popularmente conhecidas por Festas de Agosto.

A recuperação da tradição


Impulsionados pelo novo espírito de participação e envolvimento cívico, animados pela importância de um legado transmitido timidamente de geração em geração, este grupo empreendeu a tarefa de incentivar os populares a decorarem as suas próprias ruas com figuras, flores e outros motivos de papel. Alguns dos mais idosos conservavam a habilidade e o conhecimento não esquecidos na imensidão da memória, o espírito comunitário tratou do resto: entre donativos, poupanças e rifas, lá se angariava o suficiente para dar seguimento a usos tão antigos e com resultados tão admiráveis. No ano seguinte, o número de ruas triplicou (cerca de 16 ruas) a par da dedicação e envolvimento das pessoas.




Contudo, terá sido a instituição de um prémio e a sequente declaração da rua vencedora, em condições controversas, o factor que haveria de determinar nova desmobilização dos adornos de papel. Apesar disso, durante esse novo interregno e à semelhança da primeira interrupção, sem que as pessoas se mobilizassem colectivamente, algumas varandas, balcões e janelas subsistiam rendilhadas aqui e acolá por diversos enfeites de papel, revelando as profundas marcas sulcadas na identidade de uma comunidade.






Somente em 1994, se consolidou o regresso das ruas decoradas com papel, por iniciativa da Câmara Municipal de Redondo e sob o signo das Ruas Floridas, designação que mantém. Consciente das marcas distintivas de tal manifestação cultural, apenas cingida aos adros, aduelas e caixilharias de algumas casas, por manifesta ausência de uma força motriz, a Câmara Municipal chamou a si essa tarefa e organizou as Ruas Floridas, integradas nas Festas de Agosto.






De resto, o apoio da edilidade revelou-se fundamental não só para o renascimento do evento como também para a sua sustentação financeira e inevitável crescimento. Com efeito, do tímido arranque com três ruas em 1994, o evento tem vindo a crescer de tal forma nos anos posteriores – 1995, 1997, 1998, 1999, 2001, 2002, 2003 e 2005 – que a edição deste ano contará com mais de três dezenas de ruas, perfazendo cerca de 20 000 m² de área abrangida.

Entre as cores e o sentido de comunidade


A preparação das Ruas Floridas tem normalmente o seu início em Novembro, Dezembro, altura em que os moradores de cada rua decidem o tema em plenário. A temática escolhida será mantida em estrito sigilo até ao dia em que se dá início à decoração das ruas, se erguem pilares e se montam estruturas de madeira.




Antes também era assim e apesar de já não subsistir a competição premiada entre ruas, como no final da década de 70, a manutenção deste segredo inviolável revela aspectos curiosos de um desafio sadio. Este é na verdade um hábito transversal a outros domínios, como por exemplo, a definição das temáticas do Corso Carnavalesco.









Durante os meses que se seguem às primeiras reuniões, centenas de pessoas entregam-se diariamente com dedicação e empenho à extenuante missão, cujo único prémio é o reconhecimento dos visitantes e, claro, a particular satisfação de tudo estar absolutamente deslumbrante.











Cores e feitios


Porém, para além da particularidade que representa a decoração de ruas inteiras com figuras e motivos em papéis coloridos, a singularidade deste evento prende-se com o facto de as temáticas conduzirem as pessoas num exercício de imaginação sem paralelo, superando-se ano após ano.


Desde altivos pórticos, passando pelos inevitáveis tectos, às sumptuosas carruagens, corpulentos animais, delicadas peças de roupa, reproduções históricas e contos infantis, até às mesas fartas com iguarias exóticas, as Ruas Floridas revelam um impressionante e complexo mar de papel na sua mais alta manifestação de diversidade e criatividade.





As dimensões da realidade e da ficção fundem-se em harmonia, transportando os visitantes através de um mundo de castelos e cavaleiros, navios e descobertas, pirâmides e reis, jardins e toda a sorte de figuras.



Reforço dos laços comunitários


Por outro lado, nestas alturas as interacções sociais são mais intensas, acentuam-se as relações de proximidade, fortificam-se os valores comunitários e de solidariedade. Aliás, a festa é etnograficamente um dos grandes momentos da vida comunitária. É aquele momento em que a comunidade atinge o auge das suas relações sociais e da sua identidade colectiva, abraçando momentos extremos de sociabilidade. Dá-se a ruptura com o quotidiano, consentem-se desvios à norma. Em ocasiões como as Ruas Floridas a família dispersa por esse mundo fora reúne-se, é reforçada a entreajuda, cultivam-se amizades em redor da mesa, trocam-se os primeiros olhares, materializam-se enlaces, renova-se o sangue.



Actividades paralelas


Acompanhadas de uma programação paralela, pautada pela diversidade cultural, as Ruas Floridas tendem a assumir-se como um fenómeno central, mensurável pela sua dimensão, num concelho com aproximadamente 7000 habitantes. Como foi referido, para além das três dezenas de ruas, a organização do evento estima que em 2007 se possam atingir os 350 000 visitantes. Esta projecção baseia-se na evolução das edições precedentes, com a presença de um público cada vez mais diversificado social e geograficamente. Mas também é sustentada pela oferta complementar referida, que vai desde a passagem obrigatória pelo Museu do Vinho, um percurso campestre na orla do Ecomuseu que está situado no contraforte da Serra d’Ossa, os habituais concertos e workshops de artesanato, até à possibilidade de degustar os melhores produtos da região num espaço surpreendente como é o caso da Enoteca.
Para além disso, para as crianças, o Município de Redondo dispõe de um corpo de técnicos qualificados no Centro Lúdico, vocacionado para desenvolver actividades lúdico-pedagógicas com os pequenos visitantes.


A sua visita



Por todas estas razões, cremos convictamente que a sua visita tem seguramente um significado muito especial. E esse significado traduz-se necessariamente ao nível do incentivo e do reconhecimento de tanto trabalho e dedicação, motivo de tanto regozijo para as gentes de Redondo.

São manifestações destas, um pouco por todo o país, que preservam a identidade dos povos e devolvem alguma confiança perdida.
São manifestações como estas que nos fazem sorrir e abraçar o futuro, na convicção que juntos contribuiremos para o engrandecimento de Portugal.

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